O blog dessa semana é assinado pela atriz, cantora e bailarina Renata Vilela. Nascida em Barretos, interior de São Paulo, Renata começou a estudar ballet aos 8 anos de idade e tinha o sonho de um dia, ser integrante de alguma grande companhia de ballet clássico, mas foi descobrindo a diversidade na dança, o moderno, o contemporâneo que descobriu que queria ir além dos planos iniciais. Em 2004, quando foi convidada para as audições do musical Chicago, chegou preparada e estruturada com a dança, mas o canto e atuação foram genuinamente intuitivos, com apenas uma passagem de piano, ela subiu no palco, fez o teste e para a sua surpresa foi ovacionada. Claro que o posto na peça tinha de ser dela e é claro que essa conquista iria mudar todo o curso da sua trajetória. A partir desse momento não parou mais e passou a protagonizar importantes e famosas produções musicais como Cats, Sweet Charity, O Rei Leão, Nine e Cartola - O Mundo é um Moinho, para citar algumas. Casada com o ator, cantor, compositor e escritor César Melo, Renata vem dedicando seu tempo de isolamento social para criar apresentações musicais através das redes sociais. Todos os domingos o casal faz novas lives e o retorno desse novo público tem sido incrível. Ela também nos conta um pouco das descobertas que a mitologia africana lhe trouxe ao participar do musical infantil Ombela - A Origem das Chuvas, pelo o qual recebeu a indicação para Melhor Elenco no Prêmio CBTIJ de Teatro para Crianças e Jovens de 2019.
Renata Vilela @renata_v.atriz
Atriz, cantora e bailarina
"A dança, no meu caso o Ballet clássico, agiliza muitos processos que são construídos numa montagem e te deixa flexível quantos aos desafios propostos. Um corpo desperto!"
Meu nome é Renata Vilela, sou atriz, cantora e bailarina. Tenho formação em balé clássico e não tinha a menor ideia que para entrar no mercado do teatro musical seria tão bem utilizado, o rigor, a disciplina, que são muito presentes no esquema Broadway. E entendi que o Ballet facilitou muita a compreensão de alguns estilos, como por exemplo em Chicago que usa o método de Bob Fosse que tem posturas muito antinaturais. No caso de Cats, por exemplo me vi numa situação onde tivemos que entender a movimentação felina e integrar ao balé por ser um espetáculo com nível técnico absurdo. Tinha um número em que dançávamos aproximadamente 10 minutos. Só digo uma coisa meu joelho e ombros não agradeceram por Cats (rsrs), mas fui muito feliz.
Renata Vilela como Bombalurina no musical Cats de Andrew Lloyd Weber, o segundo espetáculo mais visto da história da Broadway, e nos ensaios de Os Produtores.
Nem sempre no teatro musical estamos aptos ao mercado, porque por exemplo, fiz audição para a primeira versão do musical Os Produtores e não tinha noção do sapateado americano, mas como precisamos trabalhar, me vi exposta e acabei usando muito a interpretação, porque meus pés estavam completamente enlouquecidos e minha feição um tanto carismática e focada (rsrs). Mas são casos isolados, por isso sempre penso que não basta experiência, correr atrás e estudar sempre será nosso lema.
A dança, no meu caso o Ballet clássico, agiliza muitos processos que são construídos numa montagem e te deixa flexível quantos aos desafios propostos. Um corpo desperto!
Dentro dessas experiências por mais complexas, saio sempre com a sensação que tem algo a se lapidar, a dar continuidade, apesar de nem sempre ser possível, pois vivemos as oscilações de entressafras no mercado artístico, que sempre requer investimento.
Com Miguel Falabella e Marco Luque em cena do musical Os Produtores.
No caso do canto e da interpretação tive que correr atrás, e entrando no primeiro musical vi que tudo dependia de como contar uma história cantando e dançando, portanto se você não busca ferramentas é impossível surpreender e atender às expectativas. Entre cursos e oficinas fui amadurecendo e gostando da ideia de sair um pouco de cena da dança para ganhar espaço com personagens com maior complexidade, mas claro a dança fica intimamente ligada o tempo todo, e isso é bom. Não ser olhada somente como bailarina reconfigurou a minha história. E acho que tudo foi de maneira muito natural sem grandes ambições, até porque quando entrei no meu segundo musical Sweet Charity, protagonizado pela atriz Cláudia Raia, pude perceber o quanto o teatro definitivamente tem que ser alinhado e muito trabalhado para ter que contar a história de mulheres, que no caso, eram subjugadas na sociedade, e com aspirações diversas em meio ao machismo e aos desencantos da vida. Foi prazeroso e ao mesmo tempo muito difícil. E logo após Charity fui audicionar para os Os Produtores o musical, e durante a temporada surge o convite de Miguel Falabella para a novela das seis, Negócio da China, que me abriu os olhos para o audiovisual, que por sinal está ficando mais presente e instigante, e a vontade cada vez maior.
Imagens de Renata Vilela, Cláudia Raia e Kátia Barros no espetáculo Sweet Charity com direção de Charles Möller e Cláudio Botelho.
Cena do espetáculo Sweet Charity de Federico Fellini, adaptação de Neil Simon e coreografias de Bob Fosse. Renata Vilela, Cláudia Raia e Kátia Barros cantam e dançam o número clássico do musical: Tem Que Haver Algo (There's Gotta Be Something Better Than This).
Ensaios de Sweet Charity
O musical O Rei Leão não tive problemas quanto ao entendimento da proposta, mas tive que aprender a cantar em muitos momentos o dialeto africano que foi um elemento novo, e claro enriquecedor, por um imenso intercâmbio cultural com 8 profissionais sul-africanos presentes no espetáculo. Um musical que me inspirou em muitos aspectos proporcionando o encontro com a ancestralidade africana e convívio intenso com toda uma equipe de 6 a 8 vezes por semana num período de 2 anos. Essa experiência foi inesquecível, teve o encontro com César (César Melo), aliás essa história é um tanto engraçada, porque nunca ensaiava com ele, sempre com o cover Pedro Caetano, e não o conhecia, até que finalmente estava no corredor do galpão onde ensaiávamos e dizia pra assistente: quem é o meu marido? E de repente sou apresentada á ele. A primeira pergunta que fiz foi: Você que é meu marido? rsrs... E estamos juntos há quase 6 anos. Já até rolou comemoração do primeiro encontro em meio á pandemia, que aliás para um casal de artistas viver esse momento está sendo um prato cheio pra criações de projetos, e de fato sentimos esse processo como um renascimento em meio ao caos, porque além de ser muitas vezes desesperançoso na questão social e político, atentamos para nos cuidar seriamente há cada instante. É uma surpresa todos os dias entre notícias amargas e movimentos solidários fazendo a diferença.
Cenas da versão brasileira de O Rei Leão que esteve em cartaz por dois anos. No musical, Renata Vilela era a leoa Sarabi, esposa do leão Mufasa interpretado por César Melo, pais de Simba (Pedro Caetano).
Renata e César se casaram em Israel durante as filmagens do longa que participavam, Nada a Perder de Alexandre Avancini.
Quando entramos na quarentena, não sabíamos como daríamos continuidade aos nossos trabalhos, e de repente me surpreendo com a criatividade dos artistas para continuar pulsando sua arte, ou se engajando em debates e causas extremamente importantes e necessárias. Me incluo nisso, porque minha relação com as mídias digitais nunca foi tão expressiva, mas estou revendo de forma muito positiva. Eu e César lançamos quase todos os domingos vídeos cantando, que a princípio surgiu mais por divertimento e claro um escape leve para esses dias, sem pretensões profissionais. E as respostas são bastantes surpreendentes.
O casal tem lançado vídeos nas redes sociais aos domingos e participado de lives. Para Renata tem sido um resgate da música popular brasileira e que nesses tempos de pandemia tem trazido leveza e esperança, pra quem realiza e para quem assiste.
Esse passo para criar dentro de um instagram ou facebook abre uma percepção de que a humanidade cria estratégias de sobrevivência muito incríveis, desde que seja livre, autêntico e com possibilidades de construir trocas. Por exemplo estamos vendo um contingente de pessoas se dedicando a lives, coisa que estava distante para mim, mas que logo se aproximou e está sendo bastante proveitoso.
Se adaptar ao novo sempre causa um desconforto, á princípio, ainda mais que a nossa relação/comunicação está muito condicionada na troca que se tem com o público, no calor das respostas, e hoje fazemos nossa arte blindados por uma tela, na lei do improviso no que se refere a recursos técnicos, dando o melhor na medida do possível.
A parceria de Renata e César se desdobra no teatro, cinema e na música. Renata faz participação no show de lançamento do EP O Agora de César Melo.
"Ombela abriu um marco na minha carreira e me possibilitou entrar no universo dos orixás, fui agraciada a fazer as deusas Oxum, Iemanjá e Nanã"
A atriz no ensaio fotográfico para o espetáculo Ombela - A Origem das Chuvas. Fotos de Renato Mangolin @mangolin
Nesse período bastante crucial na história da humanidade, há cada dia vem a nostalgia de um tempo recente que foi participar do musical Ombela - A Origem das Chuvas, um lindo espetáculo infantil. Produzido pelo ator e diretor genial Arlindo Lopes e uma equipe de primazia absolutas, abriu um marco na minha carreira e me possibilitou entrar no universo dos orixás, e coincidentemente vinha num processo de autoconhecimento e de repente sou apresentada ao Arlindo, que fala sobre o projeto e que instantaneamente enche os meus olhos, mas que tinha logo em seguida uma etapa de testes e devido algumas circunstâncias e compromissos não pude estar em algumas etapas. Mas acredito muito que quando é pra ser não tem barreira que impeça. Uma atriz acabou tendo que abrir mão do espetáculo por agenda inviável, e assumi o posto que considero um daqueles presentes da vida. Então fui agraciada a fazer as deusas Oxum, Iemanjá, Nanã e a carismática personagem Avó de Ombela, que claro todas com grandes desafios pela frente, mas esta personagem da avó era um boneco que necessitava uma dedicação imensa, enfim são personagens que me trouxeram aprendizados e particularidades de extrema importância no mundo sutil e vou ainda mais longe para meu ser.
Renata Vilela em cena com Sara Hana no musical infantil Ombela - A Origem das Chuvas de Mariana Jaspe e Ricardo Gomes com direção de Arlindo Lopes. No espetáculo a atriz interpreta quatro personagens a Avó de Ombela e as divindades africanas Oxum, Iemanjá e Nanã.
A construção de Ombela foi baseado no livro do escritor angolano Ondjaki e com adaptação de Mariana Jaspe e Ricardo Gomes. Uma produção que contava com um tempo limitado e com novas habilidades enriquecedoras para todos nós atores, desde aulas de circo até as aulas de afro com Gleide Cambria, manipulação de bonecos com o artista e bonequeiro Bruno Dante, a criação da trilha sonora desenvolvida pelos músicos Maria Clara Valle, Jonas Horcheman, Bukassa Kabenguele e Marília Lopes, enfim e tantos os outros detalhes atribuídos diariamente com a pressão dos dias e horas. No entanto quando tudo foi somado na caixa mágica do palco, a devolutiva foi simplesmente arrebatadora para o público infantil e uma reação surpreendente pelos adultos.
E falar de Marília Lopes é um lugar tão familiar para mim. Ela foi um presente. Saí de São Paulo para passar essa temporada no Rio de Janeiro com o Ombela e eu não sabia com quem iria dividir o apartamento. Não conhecia o elenco e foi uma surpresa, foi um encaixe perfeito, a gente é muita parecida em muitas coisas, em organização, no temperamento, na alegria. Durante esse período, muitas vezes, as pessoas na rua achavam que nós éramos irmãs e a gente falava que era, eu a mais velha e ela a mais nova. Então a Marília tem um lugar muito especial no meu coração, me emociona falar por que foi um processe bonito. Uma coisa que fica muita clara era a nossa alegria diária, alegria, alegria assim. Ela tem uma praticidade, é objetiva e muito amorosa. Nossa, amo Marília!
Marília Lopes e Renata Vilela no camarim do Centro Cultural Oi Futuro, onde o espetáculo Ombela - A Origem das Chuvas esteve em cartaz por três meses.
É louco pensar que em meio a todos os dilemas dessa transição em que vivemos, a arte continua nos acolhendo nesses dias incertos, premiando o nosso espetáculo em várias categorias através do prêmio CBTIJ de Teatro para Crianças e Jovens e dando um sentido ainda maior para todos que se dedicaram a esse projeto. Um ponto bastante relevante na construção foi a preocupação do diretor Arlindo Lopes numa estrutura de produção feminina bem potente, e esse olhar para os dias de hoje foi de uma precisão e sensibilidade incomparável.
Agora o cenário atual é outro, no isolamento social, que limita muito nossa profissão, somos um dos grupos mais prejudicados e lidamos diariamente com a imprevisibilidade, o caos econômico que nos assola, mas como o artista tem no dom a resiliência sempre erguemos a criação como ponte para acolher esses dias insanos. E no meu caso diante de dias altos e baixos percebo que escapes como fazer vídeos, juntamente com meu marido, resgatamos a música popular brasileira e isso tem nos trazido esperança e leveza para quem assiste. E seguimos elaborando projetos para quando a pandemia acabar e tudo voltar ao normal.
Viva a arte, que ela nos traga a dignidade para que os sonhos sobrevivam.
Renata Vilela em diversos momentos de sua trajetória profissional: como Nossa Senhora do Spa em Nine - Um Musical Felliniano, como Suellen em Cartola - O Mundo é Um Moinho, com o ator Raoni Carneiro como Dra. Myrna na novela Negócio da China, com a figurinista Tereza Nabuco e o diretor Arlindo Lopes, com o marido César Melo, com a equipe reunida nos bastidores de Ombela - A Origem das Chuvas e em cena todo o elenco: Marília Lopes, Sara Hana, Lu Fogaça, Bukassa Kabengele, e Orlando Caldeira.
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